“Todo povo tibetano deveria estar sob uma única administração”
Lodi Gyari
11 de julho de 2007
As negociações com a China atingiram um estágio crítico, mesmo não havendo mudanças, diz o enviado especial, Kasur Lodi Gyari Rinpoche: Entrevista em Bruxelas, 13 de maio de 2007
Por Ewa Kedzierska para Gazeta Wyborcza, Polônia
A seguir, o texto completo da entrevista com Lodi Gyari, enviado especial de Sua Santidade, o Dalai Lama, cedida antes da visita das delegações tibetanas à China no início deste mês, para a sexta rodada de conversas com a liderança chinesa. Na ocasião da entre-vista, a possibilidade de uma sexta rodada de conversas ainda não era conhecida.
Ewa Kedzierska [EK]: Houve cinco rodadas de conversas de 2002 até 2006. Em que nível estão as negociações do lado chinês? Como foi a avaliação geral desses encontros?
Lodi Gyari Riponche [LGR]: As negociações que mantivemos com o governo chinês foram feitas com a Frente Unida do Departamento de Trabalho, que é o Órgão do Partido que tratava com o governo do Tibete, desde a época de quando o Acordo de 17 Pontos foi assinado, em 1951. Esse é o departamento do governo chines que lida com a questão tibetana. O chefe da Frente Unida tem o cargo de ministro, sendo inclusive em muito casos membro do Politburo. Assim, essas conversas não começaram em 2002, mas mesmo antes quando fui à China; e em 1982 e 1984, sempre conversamos com a Frente Unida.
EK: Quem era as autoridades chinesas com as quais se davam as negociações?
LGR: Da primeira vez que fui à China, em 1982, nos encontramos com o Sr. Ulan Fu, que é da etnia mongol, membro do Politburo, e também com o Sr. Xi Zhongxing, que também é membro do Polit-buro. Haviam diversas autoridades tais como ministros; por exemplo, o Sr. Yang Jingren, diretor da Comissão de Assuntos de Nacionalidades.
Em 2002 conversamos com o Sr. Wang Zhaoguo, e ele foi posteriormente transferido e promovido para o Politburo. Agora ele é vice-presidente do Congresso Nacional do Povo, e a Sra. Liu Yandong foi nomeada ministra; assim, minha principal contraparte é uma das mulheres mais importantes do partido chinês. Também tenho me encontrado com o Sr. Zhu Weiqun, que é vice-ministro executivo da Frente Unida. Os dois são interlocutores muito capazes. Eu os considero muito. É claro que eles são também negociadores muito duros, mas estamos satisfeitos com todas as pessoas com as quais estamos tratando.
EK: Essas conversas foram consideradas pelos chineses como formais ou informais? Você está conversando a nível ministerial; no entanto, tem havido muito poucos comentários na imprensa chinesa, e também tentativas de reduzir seu papel como enviado, reduzindo-o a categoria de um simples visitante em busca de noticias de parentes no Tibete.
LGR: As conversas são bem formais, a despeito de quaisquer co-mentários que possam aparecer na mídia chinesa. Nossos encon-tros são como reuniões de negócio, muito profissionais e detalha-dos. Minhas contrapartes têm sempre proporcionado à minha dele-gação a oportunidade de compartilhar visões com eles de uma for-ma muito extensa, e de forma a demonstrar nossa posição. Isto é o mais importante e estamos satisfeitos com a forma como eles conduzem o processo.
EZ: Após a quinta rodada na China, em fevereiro de 2006, as con-versações foram suspensas e a retórica chinesa se tornou mais agressiva, notadamente voltada para a pessoa de Sua Santidade, o Dalai Lama. Isto não significaria que os chineses se amedrontaram com as exigências, formuladas com maior clareza durante a quinta rodada? Porque você acha que as negociações atingiram esse estágio crítico?
LGR: Eu acho que nossas conversas atingiram um estágio crítico, ou muito delicado, porque desde a quarta rodada nós estamos discutindo pontos reais, crusciais. Nós avançamos um passo além daquele de estarmos apenas nos conhecendo. Mas as negociações não foram rompidas. A postura chinesa é compreensível, pois mesmo que as questões levantadas por nós sejam razoáveis, legítimas e de mútuo benefício, não é fácil para as lideranças chinesa responderem imediatamente.
Infelizmente, eles estão tentando encobrir a inabilidade de seus li-deres ao tomarem de forma tendenciosa certas decisões políticas através do uso de todo tipo de retórica: por exemplo: as alegações irresponsáveis, e sem base, contra Sua Santidade o Dalai Lama e contra nossa posição nas negociações. Isto cria situações que podem causar problemas. Pois tudo é uma reação em cadeia. Diferentemente dos líderes chineses, Sua Santidade o Dalai Lama posiociona-se dentro de uma postura democrática que ele estabeleceu no exílio. Nós também vivemos num mundo livre, onde as pessoas podem reagir livremente. Quando o governo chinês vem com toda essa retórica vazia e de caráter negativo, isso mina a boa-vontade que temos tentado construir nos últimos anos. Isto abala a confiança dos tibetanos, e também exerce uma tremenda pressão sobre a liderança tibetana, pois ela é agora responsável perante as pessoas que a elegeram. Mesmo se as decisões são tomadas por Sua Santidade o Dalai Lama tendo com base o nobre caminho do meio budista, o Prof. Samdhong Rinpoche, Presidente do Gabinete, não pode ignorar o sentimento público. Pessoalmente, não estou preocupado com esse atraso. Essa é uma questão difícil e muito séria, e portanto é muito compreensível que num sistema comunista centralizado seja difícil tomar uma decisão desse peso de forma rápida. Devo aceitar isso. No entanto, o que é impróprio, é a propaganda totalmente irresponsável, infundada e sem base contra Sua Santidade. Isso fortalece as visões de algumas pessoas que sempre foram, desde o início, muito céticas quanto às intenções do governo chinês. Isto vem como uma confirmação daquela linha de pensamento sobre a qual Sua Santidade criticava desde o início: "Não confiem nos chineses. Eles não querem negociar. Eles estão apenas fazendo vocês perderem tempo".
EK: Quais são as principais diferenças de pontos de vista entre tibetanos e chineses?
LGR: Por um lado, nós achamos que não há diferenças. Não estamos pedindo independência, mas sim uma legítima autonomia. Na verdade, é algo que o governo chinês já aceitou. A Constituição da China já garante isso. O único ponto é a questão de sua implementação. Portanto, não há diferenças fundamentais. Por outro lado, o governo chinês diz que estamos pedindo:
1. O Grande Tibete (esta foi a expressão deles)
2. Mudança total do sistema de governo
3. Retirada de todo pessoal militar chinês
4. Retirada de todos os não-tibetanos de áreas tibetanas
Primeiramente, não estamos dizendo que a China não pode ter qualquer presença militar no Tibete. O Dalai Lama ressaltou que ele está negociando dentro do PRC e dentro da estrutura da Constituição do PRC.
Ao mesmo tempo, o Dalai Lama é um monge budista, e como tal, ele não é a favor da abordagem militar, de armas e de violência. Como indivíduo, ele ficaria feliz se não houvesse militares não apenas no Tibete, mas em todo mundo. Este é seu desejo.
EK: Então esse é um desejo, e não uma condição?
LGR: Isto não é uma condição. O Kashag fez até uma declaração formal em relação a isso. Então, sobre o Tibet se tornar homogêneo; como podemos dizer que aceitamos a Constituição chinesa, mas queremos que o Tibete seja homogêneo? O ponto mais importante aqui é que os tibetanos não podem se tornar minoria em sua própria terra. Se o governo chinês não pode aceitar isso, temos aí, então, uma verdadeira diferença fundamental. Nossa posição nada tem contra qualquer outra nacionalidade. Queremos preservar nossa identidade, falar nossa língua, seguir nossas tradições culturais, e é claro que todos concordarão com isso. Agora, os próprios oficiais chineses me disseram que os tibetanos não são minoria nas áreas tibetanas. Eles me forneceram dados, números e fatos que mostram como os tibetanos são maioria. Muito bem. Se essa é a situação, então não há nada com que se preocupar. Quando chegarmos a um acordo, se é como os oficiais chineses dizem, que 70 a 80% da população do Tibet é tibetana, então, não teremos problemas. Porque eles teriam que ficar tão agitados sobre essa questão? Porque eles escolheriam algumas palavras da declaração de Sua Santidade quando ele usa a palavra "reversão"? É verdade que nos anos 80, Sua Santidade disse que a maior ameaça para a cultura tibetana é a transformação demográfica. Ele disse que o governo chinês deve parar essa transformação demográfica no Tibet, e que não há reversão da situação existente. Nós achamos, entretanto, que em algumas áreas os tibetanos já se tornaram sim uma minoria.
EK: Nas conversações finais, você vai aceitar os números dados pelos chineses?
LGR: Sim. Mas é claro que esses dados terão que se refletir na realidade.
EK: E se não se refletir?
LGR: Se refletirá, caso a China tiver um governo responsável. Se eles me disserem que os tibetanos ainda são a maioria, aceitarei e negociarei com base nisso. Mas é claro que no momento da implementação, isso tem que ser muito acurado, como é sua própria declaração. Eles estão me dizendo de forma muito agressiva: “Mr. Gyari, você está fazendo alegações contra nós, você nos acusa de mentir!” E eu respondi: "Estamos muito felizes em aprender que só há menos de 20% de não-tibetanos no Tibete. Estas são notícias muito boas. Mas é claro que nós achamos que não é o caso, mas, por favor, provem que estamos errados. Algumas vezes, as pessoas não querem que provem que elas estão erradas, mas neste caso, eu ficaria muito feliz por estar errado". Eu digo sempre que espero estar errado!
EK: E o Grande Tibete?
LGR: Primeiramente, essa é uma formulação chinesa. É verdade que tem havido muitas mudanças nos limites do Tibete. Em alguns casos, o governo comunista (que chegou ao poder em 1949) herdou alguns deles. Eles não são responsáveis por todas elas. Eles são definitivamente responsáveis por algumas - mas não por todas. Isto é tudo um legado do passado, da história da China e do Tibete. Mas a própria China tornou diversas nações divididas (Manchúria, Macau, etc.). Quando a nova China foi estabelecida seu sonho ou visão era unificar seu território. Nós também temos que ter oportunidade para que todo povo tibetano fique sob uma única administração. Isto não se deve a qualquer tipo de desejo de dividir a China ou de declarar independência tibetana.
A razão é porque queremos ter políticas comuns para proteger nossa identidade cultural, lingüística e religiosa. E esse é um de-sejo muito genuíno. Eu contribuirei para a estabilidade chinesa. Se eles não o fizerem, isto continuará a ser motivo não apenas de irritação, mas causará uma profunda ferida a mais, uma insatisfação profunda no povo tibetano, que definitivamente levará à instabilidade na região.
EK: A administração única para todo território tibetano é um ponto que você nunca desistirá?
LGR: Nossa posição é que o povo tibetano deve ter oportunidade de manter totalmente sua identidade distinta. Nós sentimos que um dos fatores essenciais que podem contribuir para isso é que os tibetanos tenham a oportunidade de viver sob uma única administração.
EK: E sobre os dois outros pontos: o desejo dos chineses de que Sua Santidade reconheça que o Tibete sempre foi parte da China e a questão de Taiwan?
LGR: Como disse o Prof. Samdhog Rinpoche (Primeiro Ministro tibetano), nós não desafiamos o conceito de uma China única. No entanto, Taiwan não é problema nosso. O Tibete é responsabilidade de Sua Santidade o Dalai Lama, e ele se propõe a satisfazer os líderes chineses ao afirmar que nós estaremos comprometidos a permanecer como parte da China. Eu passei para minhas contrapartes chinesas toda garantia necessária; estaremos dispostos a fornecê-la de uma forma mais clara ainda, para que não reste qualquer tipo de dúvida entre os negociadores chineses . Mas se falarmos sobre a história dessas duas nações, isto se complica. O fato de como a China lê a história e nossa própria leitura da mesma, é claro, diferem.
EK: Sua visão da história Chinesa e Tibetana também é inegociável?
LGR: Não há necessidade de negociar isto, esse é nosso ponto. O que eles querem basicamente é que o Tibete nunca venha a pleitar a sua independência no futuro. Mas se eles quiserem entrar no merito do passado histórico dos dois paises, isto vai complicar ainda mais o processo.. Eu lhes disse, "Não olhem para trás, porque olhar para trás não é realmente agradável ou desejavel. Lembranças muito ruins podem aparecer." Como indivíduo, se eu for me lembrar do passado, eu me aborreço. Meu pai, por exemplo, não cometeu nenhum crime, mas ele não pôde mais voltar ao Tibete e morreu no exílio. Ele não cometeu outro crime exceto o de ser tibetano, amar seu povo e sua religião. Eu não pude sequer cremá-lo. No minimo, nove membros de minha família morreram sob circunstâncias trágicas. Caso eu olhe para trás, todos esses fatos vêm à minha mente. Sendo assim, eu disse: "Por favor, não olhem para trás, porque esse passado é muito doloroso para todo povo tibetano. Mas nós temos coragem de olhar para frente, por causa de Sua Santidade o Dalai Lama, com esperança e com o comprometimento de permanecer parte do PRC." Assim, espero que eles entendam.
EK: Phuntsok Wangyal, em sua carta para Hu Jintao, criticou alguns membros da liderança tibetana por fazer negóciações que se opoem as diretrizes dadas pelo Dalai Lama. Você disse que há diferentes posições dentre os antigos lideres tibetanos. Você pode se aprofundar nisso?
LGR: Phuntsok Wangyal é um marxista purista; eu acho que ele é mais marxista, hoje em dia, do que muitos membros do Comitê Central Chines. Mas ele também ama o Tibete e tem muito orgulho de ser tibetano. Ele sente que devia ser dado o direito ao povo tibetano da verdadeira autonomia sob uma única administração. Essa visão é partilhada por 90% dos líderes tibetanos, sem dúvida e sem hesitação. Eu falei claramente para as autoridades chinesas: “Não fiquem chateados, eu posso ser budista, e não comunista, contudo eu conheço os sentimentos dos membros do partido comunista tibetano mais do que vocês. Porque? Porque sou um tibetano e eles são tibetanos. Posso ler seus corações. E eles abriram seus corações para nós.”
EK: Você teve oportunidade de falar com os tibetanos sem a presença chinesa?
LGR: Não. Sempre falei com eles na presença dos chineses; pois não quero torná-los desconfiados. Às vezes, haviam 15 a 20 líderes tibetanos e 4 ou 5 oficiais chineses mandados de Pequim para o encontro. Fiz um relatório para os lideres tibetanos sobre as razões porque eu estava lá. Eu lhes disse: "Estou aqui hoje para falar por todos vocês e não apenas pela minoria dos tibetanos que vivem no exilio. Se o Dalai Lama for bem sucedido em suas negociações, são vocês que terão o poder no Tibete, e não eu."
EK: Você os informou que uma vez que eles assinassem o acordo, o governo tibetano no exílio se dissolveria e seus membros não ocupariam qualquer posição-chave no Tibete?
LGR: Sim. Eu falei a Ragdi e Legchok e a outros lideres tibetanos em Lhasa: "Ouvi que alguns de vocês acreditam que caso o Dalai Lama voltar, ele trará o governo do exílio e fará todos vocês perderem o emprego." Eles ficaram em silêncio, completamente sem saber o que dizer. Nós, por outro lado, nem sonhamos com isso. De fato, o Dalai Lama disse em público e eu repeti seus discurso aos líderes do partido em Pequim, que nós iremos dissolver o governo de Dharamsala quando chegarmos a um acordo. O único governo será o de Lhasa, governado pelos atuais lideres Tibetanos. Sim, alguns de nós podem querer voltar, mas se eles vão ou não obter trabalho dentro do novo governo, isso será decidido individualmente, dependendo das qualificações, desejos e habilidades de cada um; e o novo sistema politico tibetano que será então implementado decidirá se essa oportunidade deve ou não ser dada.
EK: Você tem dito que 90% dos maiores líderes tibetanos querem uma única administração tibetana, mas quantos deles apoiariam Sua Santidade o Dalai Lama?
LGR: 99% ou até mais.
EK: Eles falaram isso diretamente ou apenas insinuaram indiretamente esse desejo para você?
LGR: Eu digo a eles o tempo todo, inclusive na frente dos principais oficiais chineses: “Vocês sabem, eu pedi ao governo central para parar de chamar Sua Santidade o Dalai Lama de separatista. Aquele que está chamando o Dalai Lama de fomentador de divisão é ele mesmo um fomentador da divisão, porque ao chamar o Dalai Lama de fomentador da divisão, os líderes chineses estão dividindo o coração do povo tibetano, inclusive seu próprio coração!” E eu continuei: “Eu sei que vocês são comunistas, e talvez vocês não acreditem na religião, mas vocês todos sentem orgulho por ter um homem tibetano cujo nome é Tenzin Gyatso, o XIV Dalai Lama. Quando alguns oficiais do governo chinês o chamam de nomes feios, como tibetanos vocês se sentem muito humilhados. Não é assim?”.
EK: Mas algumas vezes, os próprios tibetanos criticam Sua Santidade.
LGR: Ah sim. Logo depois que esses oficiais tibetanos nos criticaram, seus parentes nos telefonaram: “Por favor, peça perdão à Sua Santidade. Sua Santidade sempre diz aos tibetanos vindo do Tibete: Voltem. E vocês podem me criticar se os oficiais chineses pedirem que vocês o façam. Dou-lhes minha permissão”. Algumas vêzes, alguns tibetanos também me pedem: “Por favor, diga ao Dalai Lama que ele não deve dizer que perdoa aqueles que o criticam. Ele não deveria perdoar, porque a maioria dos tibetanos não concordaria em denunciá-lo. Alguns tibetanos são fracos; eles querem tirar vantagem, e por isso, criticam o Dalai Lama e depois justificam-se dizendo que o próprio Dalai Lama disse que poderiam criticá-lo”. Assim, eu passei essa mensagem direta de muitos tibetanos para Sua Santidade, e eu acho que eles estão certos. A maioria deles diz que mesmo se o Dalai Lama autoriza essas criticas, eles nunca irão fazê-lo de coração!
EK: Você quer dizer que a maioria daqueles tibetanos que faziam parte do regime, os membros do partido, criticaram o governo no exilio por estarem convencidos de que essa seria a única forma deles ajudarem o Tibete? Seriam na verdade apenas alguns poucos que colaboraram verdadeiramente com o governo chinês para tirar vantagem na situação?
LGR: Há quatro categorias diferentes. Há os idealistas, como Phuntsok Wangyal, que se juntou ao Partido Comunista por convicção, quando ele ainda era underground, e por não estarem felizes com o antigo sistema tibetano. Eles queriam mudar o sistema, e os únicos sistemas políticos a seu alcance eram o Kuomintang, os nacionalistas da China e os comunistas. Naquele momento, definitivamente, os comunistas eram muito mais verdadeiros, porque o Kuomintang estava se tornando corrupto. Primeiro, eles estabeleceram o Partido Comunista Tibetano. Apenas daí para frente que eles foram absorvidos pelo Partido Comunista Chinês. Em seguida, há a segunda categoria, que inclui pessoas que foram recrutadas ou até mesmo enviadas pelo governo tibetano para serem educadas em escolas chinesas. Isso começou em meados dos anos 50. E elas se tornaram fascinadas pela suposta modernidade da sociedade chinesa. Individuos como Mao Zedong, são um bom exemplo; e a China, naquele momento, ainda estava se comportando de forma civilizada para com o Tibete. Assim, eles se entusiasmaram. Eles também acreditaram numa grande nação, onde todo mundo seria igual. Não haviam muitos que receberam uma boa educação nessa categoria. Há também a terceira categoria, a maioria das pessoas que nos dias de hoje criticam o governo tibetano no exilio, e que se uniram aos chineses durante a Revolução Cultural. Foi como um grande afluxo na época: guardas vermelhos, revoltas revolucionárias, uma Frente Unida, tudo isso se misturando. Todos eles esperavam esses acontecimentos para se unir aos chineses.
Essas pessoas não receberam muita educação, não tinham qualquer habilidades especias; apenas portavam o Livro Vermelho de Mao. Eles assumiram, não apenas no Tibet mas também na China as suas posturas de um Tibete Chines. E agora, eles estão com seus 50, 60 e poucos anos. Falta a eles um profundo background cultural. Eles têm agora um complexo de culpa, pois eles sabem que tomaram parte da destruição de sua própria cultura. Assim, alguns deles se preocupam muito com tudo o que aconteceu. E eles têm medo das mudanças, não apenas de perder o poder, mas também medo de retaliações; medo de serem torturados ou colocados em prisões. Por que foi dessa forma que eles chegaram ao poder, e também porque é a única coisa que eles conhecem. Mas o ponto de vista de Sua Santidade é: foi um motim infeliz, nacional e histórico, no qual milhares de pessoas de ambos os lados se envolveram. Não podemos ser vingativos, mas apenas perdoar. Mesmo assim, alguns tibetanos dentro do Tibete têm fortes sentimentos negativos com relação a esses indivíduos. Eles me dizem: “Porque você diz que não vai haver punição? Essas pessoas destruíram nossa cultura!”
EK: Você informou a eles que o Dalai Lama perdoa?
LGR: Oh, sim, eles sabem isso. Chegamos, então, à quarta categoria, a nova geração do Partido Comunista tibetano, formada por pessoas que eram muito jovens para fazer algo de errado durante a Revolução Cultural (eles tinham 10 ou 11 anos de idade). Eles são muito bem educados e não têm a bagagem da culpa e nem a mentalidade de vítimas. Eles agora estão com seus 30 anos, e lentamente se tornam líderes no Tibete. Diferentemente da geração de tibetanos da Revolução Cultural, eles não têm complexo de inferioridade em relação aos chineses. Portanto, estou muito otimista para com eles.
EK: A última descoberta de recursos minerais no Tibete como o ferro, cobre, zinco, etc. torna o Tibete a região mais rica da China.
Isso não teria um impacto negativo no processo de negociação? Não seria o caso de: mais reservas naturais, menos concessões politicas?
LGR: O Tibete é um ecossistema único no mundo. Os líderes chineses deveriam ser sábios, e não apenas pensar no Tibete. Eles não devem indiscriminadamente causar uma maior exportação do plateau tibetano. Mesmo se eles tirarem vantagem econômica rápida, ao longo prazo, isso será devastador para a China. Estou muito preocupado se os líderes chineses compreendem isso. Infelizmente, não há na China uma liberalização na política; apenas na econômia. Haverá forças econômicas que talvez eles mesmos não possam verificar, e que pode se tornar instrumento de exploração cega dos recursos naturais. Espero que os membros do Comitê Central digam: “tenham cuidado com o Tibete.
Um: ele é politicamente instável, e além disso, o mais importante, a destruição do meio-ambiente tibetano pode ser devastador para o futuro da China”. Mas há pessoas em Xangai ou Hong Kong que querem ter rapidamente um grande lucro a partir dessas descobertas, em colaboração com algumas empresas estrangeiras. Eles podem corromper alguns oficiais do governo chinês, visando obter concessão para explorar minas, etc. Isto é muito perigoso. É por isso que a liberdade política e econômica devem vir juntas; porque com a liberalização política tem-se a liberdade de pressionar e outro sistema político tem de controlar. E isso não acontece lá. Na presença de individuos egoístas e sem escrúpulo colaborando com políticos locais ou mesmo centrais, podem acontecer coisas de que o próprio governo não desejaria.
EK: Rinpoche, você tem qualquer sinal de suas contrapartes chinesas de que a sexta rodada de conversas está chegando?
LGR: Em 10 de março deste ano, Sua Santidade disse que seus enviados estão prontos para ir a qualquer momento a qualquer lugar continuar as negociações com o governo chines.
E eu vou repetir isto aqui: estamos prontos para ir a qualquer momento. Espero que a próxima rodada aconteça sem muita demora. Mas, como eu disse, estamos num estágio crítico de negociação, e, portanto, está se tornando difícil, e devemos estar preparados para ter muita paciência. Mas ao final, é muito possível que cheguemos a um resultado mutuamente benéfico.
EK: Obrigada, Rinpoche.
(tradução: Valéria Pasta e Marcia Ferreira Maluf)Agradecimento a Gabriel Jaeger (Monge Ngawang Tenphel) www.montanhadourada.org por ter cedido gentilmente esse material e ter feito uma rapida revisão final - em função de seu escasso tempo.
O texto contém algumas pequenas literalidades em sua forma atual devido as dificuldades de tradução. Contudo, sugestões serão mais do que bem vindas no que diz respeito a dar uma melhor formatação geral do mesmo para a lingua portuguesa.