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Existe a China que será exibida nos jogos olímpicos, o motor do mundo onde vive em harmonia 1,3 bilhão de prósperos socialistas. E existe outra, sempre presente, nunca apresentada: uma ditadura que explora, polui e censura em nome do progresso. Conheça essa china pelos olhos de um jornalista brasileiro em Pequim.
Há um mês e meio da simbólica data de 08/08/08, abertura das Olimpíadas de Pequim, a ONG Human Rights Watch (HRW) lançou um guia para jornalistas estrangeiros. As recomendações vão do básico - registre-se na embaixada de seu país e carregue sempre seu passaporte, por exemplo - ao sombrio - "nunca, jamais, em nenhuma hipótese, revide fisicamente a qualquer ação da polícia ou mesmo de grupos à paisana". Bem-vindo aos Jogos Olímpicos ao típico estilo chinês. A China passou de nação pobre refém de um incompetente planejamento comunista a um capitalismo selvagem e emergente com um estado ainda gigante - o tal "socialismo de características chinesas" -, mas os ventos que renovaram a economia não sopraram sobre a política. No comando da impressionante máquina de crescimento chinesa está um regime autoritário, incapaz de lidar com críticas ou investigações jornalísticas, especialmente se elas vêm do exterior (até porque a mídia chinesa é estatal). Estamos falando da maior ditadura do planeta, exercida com mão de ferro pelo Partido Comunista da China (PCC), que esmaga sem dó nem piedade toda a crítica que possa, de alguma forma, desestabilizá-lo - e às vezes nem isso. O sistema eleitoral só existe no nível de pequenas vilas, mas com candidatos indicados pelo partido. A falta de um sistema judicial independente, cujos quadros são compostos por gente nem sempre formada em direito e umbilicalmente ligada ao partido, favorece abusos de poder. Essa falta de justiça independente é um problema grave num país que usa a torto e a direito a pena de morte como "exemplo para a sociedade". O governo não divulga dados sobre a pena capital e há indícios de que esses números estejam caindo (no ano passado, o governo determinou que todas as penas de morte decretadas em cortes intermediárias fossem revistas na Suprema Corte). Mas em recente relatório da Anistia Internacional, a China foi apontada como o país que mais executou presos em 2007. Exatas 470 pessoas. Há quem ache que o número é muito maior, algo como 10 mil pessoas por ano. Qualquer que seja a estatística, nada se sabe sobre quem são esses mortos e o que fizeram para merecer tal destino. Na reta final para as Olimpíadas, a prisão de críticos do governo foi sistemática, baseada em acusações vagas ("subversão do poder do Estado", "revelação de segredos de Estado para o exterior") e por meio de processos em que os réus não possuem direito nem de conversar com seus advogados. ONGs de defesa dos direitos humanos estimam que entre 100 e 150 jornalistas e blogueiros estejam presos. A Fundação Dui Hua, comandada pelo advogado John Kamm, é um grupo internacional que, há mais de 20 anos, trabalha para libertar presos políticos. "Calculamos que eles sejam mais de 30 mil. Há gente encarcerada desde 1989, como os manifestantes dos protestos que culminaram no massacre da Praça da Paz Celestial", diz Kamm. Não por acaso, é a única declaração deste texto: o verdadeiro milagre chinês é achar quem fale mal da China estando lá, alguns por medo, muitos por ignorância. GILBERTO SCOFIELD JR.
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